sexta-feira, 24 de abril de 2009

Complexo de Sísifo.

Não leitor, você não é Sísifo. Nem eu.
Apesar de a sociedade moderna às vezes fazer com que nos sintamos inúteis, nós não somos.
Sempre procurei fazer tudo com paixão, com tesão, até as tarefas mais rotineiras e muitas vezes enfadonhas são tratadas por mim como coisas de suma importância, caso contrário é melhor não fazê-las.
Em “Tempos Modernos” de Chaplin (filme que eu considero atemporal), há uma cena maravilhosa em que o vagabundo fica preso nas engrenagens da máquina. É um arquétipo maravilhoso, mas dolorido e que desperta toda uma gama de questionamentos.
Podemos e devemos aprender a ter paixão pelo que fazemos seja lá o que for. Sei que isso não é fácil, pois eu mesmo já me senti como o vagabundo em várias fases da minha vida, e me lembro bem, todas elas foram improdutivas até eu aprender a ter algum tipo de paixão. A mesma paixão que sinto em andar descalço, tocar violão ou mergulhar no mar.
Quando aprendemos isso, aprendemos também a nos valorizar profissional e pessoalmente, crescemos como pessoas, ganhamos respeito próprio.
E então levamos esse respeito para nossa vida sentimental também.
Tenho visto, infelizmente, pessoas vivendo suas relações amorosas como Pozzo e Lucky de “Esperando Godot”, e isso tem me entristecido demais.
Independente de opção sexual, orientação, fetiche ou qualquer forma menos convencional de relacionamento, o ser humano não deve se degradar. As relações sexuais, desde que sejam satisfatórias, podem e devem se utilizar de todos os tipos de fantasia, mas não devemos nos esquecer de que são meramente fantasias sexuais.
Por favor, nós não somos sísifo. O homem tem uma propensão selvagem às relações de dominação e poder, seja ele financeiro, hierárquico ou o pior de todos psicológico.
Cada passo dado só é bom se for pra frente, e chega a ser significativo o fato de respiramos pra dentro. Ao aprender com pequenas coisas, podemos pegar nossas experiências e transporta-las para as grandes coisas como o aumento de nossa autoestima.
Quem você é tem muito a ver com a forma como você se enxerga.
Enxerguemos o mundo, mas façamos questão que o mundo também nos veja, assim podemos crescer como indivíduos e como sociedade.
Se você se reconheceu aqui, não foi à toa, imprima e guarde no bolso e procure ser feliz.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Amor de um Feliz Rouxinol

Era uma vez um Feliz Rouxinol que vivia num carvalho à beira de um riacho tranqüilo. Na relva ao seu redor havia uma formosa rosa e um lindo jasmim.
Todos os dias o Feliz Rouxinol cantava seu amor pelo carvalho, pela rosa e pelo jasmim. Levantava seu pequeno pescocinho, olhava para o céu e entoava as mais belas canções para seus três amores.
Um dia um lagarto que passava pelo jardim ao ouvir o canto, perguntou ao rouxinol: - Porque canta com tanto afinco assim Feliz Rouxinol, se eles parecem nem ligar?
E o Feliz Rouxinol interrompeu um pouco seu canto para explicar ao amigo lagarto por que fazia aquilo de forma tão entregue.
- Amigo lagarto, eles parecem não ligar, pois estão acostumados ao meu canto, e o que parece ser indiferença no fundo eu sei muito bem que é forma deles também manifestarem seu amor por mim. Quando o inverno gelado calou meu canto, este galho do carvalho onde me ponho a cantar começou a descascar e perder sua força até quase se quebrar, a rosa não tinha mais o seu brilho e algumas pétalas começaram a cair e o jasmim perdeu quase todo seu encantador perfume.
-Foi aí que percebi o quanto meu canto era valioso para eles, mesmo que não aplaudissem ou retribuíssem da qualquer outra forma. Desse dia em diante não me importava mais o frio ou a dor do esforço de cantar, só não podia mais vê-los definhando daquele jeito a cada dia.
-Pus-me então a cantar da forma mais bela que conseguia na esperança de que de alguma forma eles recuperassem sua beleza.
-Então, como mágica, a rosa voltou a se abrir e brilhou iluminando nosso jardim, o jasmim exalou o perfume mais doce que se sentiu em nosso reino e o carvalho voltou a ser o forte e belo carvalho de outros tempos.
-Eu então entendi que não precisava deles mais do que isso: Que fossem belos.
O lagarto parou por um tempo, balançou sua cauda em sinal de entendimento, e perguntou de novo ao Feliz Rouxinol:- Mas o carvalho, a rosa e o jasmim são três. Como pode você amar os três ao mesmo tempo?
O Feliz Rouxinol entoou um pequeno canto, olhou para o seu amigo e respondeu:
- Por que eles estão aqui, perto de mim, não vão embora, e enquanto eles ficarem; assim o será.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Urso e o Pote de Mel ou A Alquimia dos Sentimentos.

Procurando manter estável meu nível de endorfinas (e quem me conhece sabe que ele é muito alto), dia desses fui acometido por um estranho desejo: Mel.
Um doce néctar cuja matéria prima não poderia ser mais inebriante: Flores.
Num rompante, saio eu cruzando caminhos e estradas em busca do objeto de meu desejo. Minha boca salivava esperando encontrar sua doçura e apressei minha jornada para encontrá-lo.
Encontrei-o. Um pote de Mel. O objeto de meu desejo.
O encontro surtiu um efeito avassalador, mas não foi o encontro do urso com o pote de Mel, muito pelo contrário.
Naquele momento ocorreu uma alquimia de sentimentos e transformei chumbo em ouro.
O desejo tornou-se afeto, e passei a olhar a textura daquele Mel, seu cheiro, e pensei no lirismo de sua produção e na beleza de sua existência.
A partir dali me senti como um menino, enfeitiçado diante de um aquário de peixinhos dourados. Por um instante achei que tocavam o Bolero de Ravel ao nosso redor, mas era apenas a caixa de som de um bar das proximidades.
E o afeto virou ternura e a ternura virou tradução, e estou me traduzindo todos os dias desde então.
E o urso, se transformando em rouxinol, prova que a magia ainda existe.
A magia do carinho.



 Milton Nascimento - Rouxinol