terça-feira, 19 de maio de 2009

Ensaio Sobre a Visão.

Sem dúvida um dos livros de leitura mais difícil (difícil, no sentido de denso, sofrido) que já li até hoje foi o “Ensaio Sobre a Cegueira” de José Saramago.
Tempos depois soube que a intenção dele era realmente essa, que o leitor tivesse essa angústia.
E realmente, há pouco tempo descobri que viver num mundo sem imagens (sem imagens, não sem luz), pode ser extremamente angustiante.
Mas nada pode ser mais triste do que ter a visão perfeita e não enxergar nada.
Como nós que temos a visão perfeita, que nos deliciamos com os sorrisos alheios, que vemos o sol e os girassóis, que acenamos de longe para um amigo e rimos com a cara engraçada dos cachorros na rua, podemos enxergar tão menos que um homem absolutamente cego? Como?
O que enxergamos quando se aproxima de nós um garoto no sinal, ou uma velha senhora com suas roupas rasgadas e suas unhas sujas, balançando seu pires de moedas; vazio como é vazia a fraternidade do mundo?
Enxergamos o medo. O medo de sermos enganados. Sim, por que o que uma velha senhora enfraquecida pela doença, mal alimentada e cansada pode oferecer de perigo pra mim. Nada.
E então, qual não foi minha profunda decepção comigo mesmo, ao ver uma pessoa totalmente desprovida de visão enxergar tanto mais sobre o mundo do que eu.
Aquele homem simples, de sorriso franco, calejado pelas agruras da vida, acostumado às batalhas e que agora é obrigado a encarar mais esse desafio: Faltou-lhe a visão.
Mas a visão ótica, a visão física. Não a capacidade de enxergar. Essa não lhe falta.
Falta a mim, e a muitos como eu.
Falta a mim, enxergar melhor o coração daqueles que me cercam, e dos que apenas estão próximos.
Falta-me ver o pedido de socorro onde vejo antipatia e intolerância. Falta-me ver as mãos estendidas pedindo que alguém as segure.
Falta enxergar a humanidade dos homens, como ele enxergou em mim.
Este homem emocionou-se ao meu lado, por um simples gesto, que para muitos, ou quase todos não significaria nada.
Como se enxergasse, pousou sua mão sobre a minha e apertou-a levemente. Naquele momento não foram minhas mãos que foram tocadas. Aquele homem cuja visão me surpreendeu e continua surpreendendo, tocou meu coração.
Há apenas alguns dias isso se passou. A minha visão do mundo, mudou muito desde então.
Ontem, ao flagrar-me fitando-a demoradamente, uma amiga minha perguntou-me:
- Mas afinal, por que é que você tanto me olha? O que é que tem de tão diferente em mim?
E eu respondi:
-Tudo.

2 comentários:

Marcia G. disse...

Anos atrás, tinha uma frustração muito grande: meu filho não gostava de ler. Aquilo me incomodava de uma maneira chegando até a me envergonhar.
O que fiz ou deixei de fazer pra meu filho não gostar de ler?
Busquei ajuda na escola dele, na minha escola com os profissionais especialistas em leitura; li livros também, lógico.
Um dia, na TV, uma pedagoga, especialista em literatura infantil (acho até que escreve livros infantis) foi taxativa: se a criança não gosta de ler, é porque os pais não leem, é porque não lhe leem histórias.
Fiquei com raiva dessa pedagoga, de sua ignorância: pelo menos em relação a mim e ao pai do meu filho, ela estava enganada. Nós sempre lemos muito e meu filho estava acostumado a nos ver ler. E sempre li histórias para fazê-lo dormir, até muito depois de ele saber ler.
Vi, então, que não ia encontrar a resposta onde estava procurando; e que os especialistas nessa arte não sabiam o que diziam.
É aí que entra Saramago. Numa entrevista, na TV, ele disse que vinha de uma família de analfabetos, de uma cidadezinha onde ler não tinha a menor importância e, provavelmente o destino dele seria continuar essa tradição da família. Mas ele se interessou por saber o que significavam aqueles sinais. A família não entendia: pra que querer saber isso? Foi um impasse.
Foi aí que ele disse a frase que me pacificou. Como explicar que ele quisesse ler, aprender a ler, mesmo tendo nascido numa família de analfabetos?
"Então eu descobri que há pessoas que nascem com o gene da leitura e outras, não."
Nunca mais me preocupou meu filho gostar ou não de ler. E Saramago entrou para sempre na minha vida.

Nana Odara disse...

Nunca consegui ler um livro todo do Saramago (geração coca cola...affffffffff...) mais parece ficar perdida nas ruas dos bairros lisboetas dos fados, em dia de chuva... vc dá mil voltas, sente nauseas, passa no mesmo lugar 2o vezes, ja não sabe se tá perdido ou conhecendo um caminho novo, escorrega na calçada portuguesa e aí repara no desenho de estrela q ela tem... olha lá longe, vê o Tejo, imagina como a Natureza é grande... passa um carro e joga água suja em vc, seu guarda chuva quebra, vc entra numa tasquinha... enfim... meus miolos não aguentam isso... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...