quarta-feira, 22 de abril de 2009

Amor de um Feliz Rouxinol

Era uma vez um Feliz Rouxinol que vivia num carvalho à beira de um riacho tranqüilo. Na relva ao seu redor havia uma formosa rosa e um lindo jasmim.
Todos os dias o Feliz Rouxinol cantava seu amor pelo carvalho, pela rosa e pelo jasmim. Levantava seu pequeno pescocinho, olhava para o céu e entoava as mais belas canções para seus três amores.
Um dia um lagarto que passava pelo jardim ao ouvir o canto, perguntou ao rouxinol: - Porque canta com tanto afinco assim Feliz Rouxinol, se eles parecem nem ligar?
E o Feliz Rouxinol interrompeu um pouco seu canto para explicar ao amigo lagarto por que fazia aquilo de forma tão entregue.
- Amigo lagarto, eles parecem não ligar, pois estão acostumados ao meu canto, e o que parece ser indiferença no fundo eu sei muito bem que é forma deles também manifestarem seu amor por mim. Quando o inverno gelado calou meu canto, este galho do carvalho onde me ponho a cantar começou a descascar e perder sua força até quase se quebrar, a rosa não tinha mais o seu brilho e algumas pétalas começaram a cair e o jasmim perdeu quase todo seu encantador perfume.
-Foi aí que percebi o quanto meu canto era valioso para eles, mesmo que não aplaudissem ou retribuíssem da qualquer outra forma. Desse dia em diante não me importava mais o frio ou a dor do esforço de cantar, só não podia mais vê-los definhando daquele jeito a cada dia.
-Pus-me então a cantar da forma mais bela que conseguia na esperança de que de alguma forma eles recuperassem sua beleza.
-Então, como mágica, a rosa voltou a se abrir e brilhou iluminando nosso jardim, o jasmim exalou o perfume mais doce que se sentiu em nosso reino e o carvalho voltou a ser o forte e belo carvalho de outros tempos.
-Eu então entendi que não precisava deles mais do que isso: Que fossem belos.
O lagarto parou por um tempo, balançou sua cauda em sinal de entendimento, e perguntou de novo ao Feliz Rouxinol:- Mas o carvalho, a rosa e o jasmim são três. Como pode você amar os três ao mesmo tempo?
O Feliz Rouxinol entoou um pequeno canto, olhou para o seu amigo e respondeu:
- Por que eles estão aqui, perto de mim, não vão embora, e enquanto eles ficarem; assim o será.

3 comentários:

sharon disse...

Sim... muitos perguntam e perguntarão: Como amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?

O equívoco está na questão: não é ao mesmo tempo, na lógica deste tempo que vivemos, chamado Cronos.

Amo esquecendo... e assim suporto a ausência dos meus amores.
Amo, um por um, esquecendo dos outros a cada encontro... não guardo nenhum ser no meu interior, eles existem presentes e assim sou inteira na presença... Não me divido, simplesmente esqueço.

Tive que aprender a esquecer para suportar a ausência, para suportar minha condição humana...

Lembro-me agora de um magnífico texto de Roland Barthes:

"Assim, sou momentaneamente infiel, é a condição da minha sobrevivência; se eu não esquecesse, morreria. O enamorado que não esquece de vez em quando, morre por excesso, cansaço e tensão de memória."*

* BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso.

Anônimo disse...

O amor dividido dá o mesmo de si para todos? É possivel um amor se elevar dos outros e ficar maior que o coração? O amor perdoa o outro e, acima disso, perdoa a si mesmo? Ou o amor se fortalece no meio do outono, na distancia, no frio?
Um escritor, embora ocasional, contém em si os questionamento de todos, como se ele proprio soubesse ou pudesse um dia explicar as razões da vida e as do coração.
Mas se um dia você puder (porque quem escreve pode tanta coisa), responda a si mesmo as mesmas perguntas que se faz, presentes nos seus textos, aquelas que estão nas entrelinhas e que denotam quem é realmente o Feliz, ou o esboço do que se quer ser.
Talvez possa explicar o amor, em suas várias denominações.

Lou Salomé disse...

"Tu, grande astro! Que seria de tua sorte, se te faltassem aqueles a quem iluminas? Há dez anos continuas subindo até minha caverna. Se eu, minha água e minha serpente não estivéssemos aqui, tu te haverias cansado de tua luz e deste trajeto."
(Assim falou Zaratustra)